A carta perdida de Demas a um Cristão do 1.º Século (fictício)

Para ti, ó excelente Teófilo, meu companheiro e cooperador no reino de Deus,

Saúde, Prosperidade e Paz.

Antes de tudo quero que saibas quão grandes maravilhas Deus está de novo a operar entre nós. Há grande alegria entre o povo e muitos estão a unir-se à Igreja.

Dizes-me ter ficado muito impressionado com a última carta do apóstolo Paulo, sobretudo com a sua queixa de que todos o desampararam e ficou só em sua defesa em Roma.

Na verdade foi uma decisão difícil, mas eu e os outros concluímos ser o melhor que tínhamos a fazer. Na verdade Paulo já não é o que era.

Quanto a mim, ele é um ramo que perdeu a sua vitalidade e vai secando, e pergunto a mim mesmo se não estará também perdendo a fé. Não me quis ouvir, nem a mim nem aos outros companheiros e, por isso, não deve admirar-se agora de o termos deixado só.

Não te escandalizes de ter dito que Paulo já não é o que era. Quando chegares ao fim da leitura desta carta, decerto reconhecerás que tenho razão.

Recordas-te, decerto, como Paulo, quando esteve preso em Filipos, cheio de fé e revestido do poder de Deus, destruiu a prisão em que ele e Silas estavam encarcerados através de um grande terramoto. Toda a cidade de Filipos soube deste grande milagre, e um grande número de filipenses se uniram ao Senhor, a começar pelo carcereiro e pela sua família.

Esperamos ansiosos vê-lo operar um milagre idêntico na prisão em Roma, mas na verdade nada aconteceu; ele continua preso e já se passaram mais de dois anos. Entretanto Paulo, que ainda não é propriamente um velho, em vez de confessar positivamente a sua libertação e vitória, começa a dizer aos que o cercam, e até tem escrito, que a sua partida está próxima, o que significa que aceita a ideia de que vai morrer.

Por outro lado sabe como nós o amávamos e o considerávamos o Apóstolo dos gentios. Dizíamos mesmo, e com orgulho, que ele era o Apóstolo principal do Senhor e com satisfação confessávamos:”Eu sou de Paulo”. Pois quando julgámos que ele se agradaria desse movimento, que estava já a mobilizar muitos irmãos à volta da sua pessoa, do seu ministério e do seu nome, eis que ele destrói tudo, dizendo que falar desta maneira é carnalidade, que não foi ele que morreu na cruz por nós, e que os grupos que se haviam formado à volta do seu nome, do nome de Pedro, e do nome de Apolo, nada mais faziam do que ofender a Deus, destruindo a unidade do Corpo de Cristo. Isto foi muito desanimador para nós todos.

Também nos desanimou a sua atitude negativa quanto ao projecto de utilizarmos as ofertas das Igrejas para adquirir um grande edifício para sede de uma organização que coordenasse as actividades em todas as Igrejas dos gentios.

Paulo nunca fez isto; os seus apelos nas igrejas e as ofertas que recebe são só para ajudar os irmãos pobres da Igreja em Jerusalém. Várias vezes lhes tem levado muitas e valiosas ofertas.

Nós não concordamos. Achamos que não temos nada que os ajudar. Se são pobres é porque na sua incredulidade não reivindicam as promessas de Deus sobre a prosperidade.

Argumentamos também com ele dizendo que se os mercadores e os chefes deste mundo se movimentam em carruagens, bons cavalos e barcos velozes, porque não nós, embaixadores de Cristo, como o próprio Paulo ensina, não havemos de receber pela fé, uma boa carruagem para nos transportarmos nas viagens por terra, e porque não um navio apropriado às grandes viagens por mar, a que as visitas às Igrejas nos obrigam continuamente? Mas a Paulo nada disso interessa, e muitas vezes quando nós esperávamos, pela fé, o milagre de Deus no envio do sustento necessário, visto que somos Seus servos e estamos ao Seu serviço, Paulo simplesmente pôs-se a trabalhar com as suas mãos, fazendo tendas, e assim nos alimentou, obtendo suficiente para ele e para nós. Esta atitude, dado o estatuto espiritual de Paulo, deixou-nos confundidos e até escandalizados. Isto é fé?!

Mas o que te tenho dito até aqui, ainda não é o pior. Calcula que Paulo conta nas Igrejas, e parece-me até que o escreveu, ter Satanás enviado um anjo para o esbofetear; ora todos nós sabemos que Satanás está debaixo dos nossos pés. O próprio Paulo expulsou muitos demónios e tu próprio viste com os teus olhos como Paulo expulsou um demónio de adivinhação que estava numa jovem.

Pois Paulo falhou agora na expulsão deste anjo de Satanás que o esbofeteia continuamente. Inclusivamente achamos que ele até enfraquece a fé dos irmãos dizendo que orou por três vezes ao Senhor e, em vez de ter obtido a libertação do poder atormentador daquele enviado de Satanás, o Senhor apenas lhe disse: “A minha graça te basta, porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza,” Chegados a este ponto, creio que tu próprio concordarás comigo: Paulo já não é o que era.

Além disso agora, mais do que nunca, fala muito da cruz. Diz continuamente que nada se propôs saber entre nós senão a Jesus Cristo, e Este crucificado. Afirma que já está crucificado com Cristo e que agora vive, não ele, mas é Cristo que vive nele. Diz que pela cruz de Cristo está crucificado para o mundo e o mundo para ele. Embora não estejamos contra esta mensagem, achamos que uma ênfase exagerada na cruz pode originar nos crentes atitudes negativas e até deprimentes. Quando lhe dissemos isto Paulo indignou-se com a nossa tomada de posição e acusou-nos de sermos inimigos da cruz de Cristo, porque temos como deus o nosso ventre. Como vês, não é de admirar que Paulo tenha ficado só.

Tu sabes como todos nós admirávamos Paulo por causa do seu grande poder espiritual. Quantos milagres de cura o vimos operar! Tu mesmo, meu amigo, estavas connosco em Malta, quando ele curou o pai de Públio e todos os doentes da ilha. Que maravilha! Alguém o abandonou nessa altura? Não. Todos estávamos cheios de entusiasmo, pois se até os seus lenços e aventais em contacto com os enfermos curavam os doentes e expulsavam os demónios!!!

Mas agora… agora Paulo já não é o que era. Quando foi da doença de Epafrodito, todos nós vimos que algo estava a acontecer com Paulo. Só depois de muita oração e clamor a Deus, este irmão foi curado, e Paulo mesmo disse que a sua cura foi uma manifestação da misericórdia de Deus.

Ora nós acreditamos que uma situação destas só pode acontecer quando perdemos o poder da fé para reivindicar as promessas da Palavra de Deus.

Mas este caso ainda não foi o pior. Paulo foi totalmente impotente para curar a Trófimo, e acabou por seguir viagem deixando-o doente em Mileto.

Queixa-se que o abandonamos, mas o que esperava ele? Sabes o que recomendou a Timóteo quando se referiu às frequentes enfermidades deste? Quando seria de esperar uma forte exortação à fé e à invocação das promessas de Deus, escreveu isto: “Não bebas mais água só, mas toma um pouco de vinho, por causa das tuas frequentes enfermidades”.

Como vês, Paulo já não é o que era. Se outros querem ficar com ele, que fiquem, à volta da sua mensagem repetitiva e algo deprimente: “Nós pregamos a Cristo crucificado.” Para mim o viver é Cristo e o morrer é ganho:” Eu não, eu quero é ver milagres e as maravilhas do poder de Jesus.

E, graças a Deus, eles voltaram de novo com um novo apóstolo que se levantou no nosso meio. Os milagres não param e já possuímos uma grande sede para a nossa organização. O dinheiro é abundante, porque a prosperidade é contínua. Todos temos já belos cavalos e carruagens para visitarmos as Igrejas. Estamos a esperar que, pela fé, Deus nos conceda um grande navio para as viagens por mar. As Igrejas crescem e multiplicam-se. Deus está connosco e a prova é que agora nenhum servo ligado à organização precisa de fazer tendas.

Confio que também tu ficarás do nosso lado dentro de pouco tempo. Não temas tomar esta decisão; também eu estive ao lado de Paulo e andei com ele, mas se o abandonei é porque Paulo já não é o que era.

Fica com o Deus das bênçãos e da prosperidade.

Demas

 

   Embora esta carta perdida seja fictícia, a doutrina de Paulo e os acontecimentos da sua vida não o são e podem ser comprovados na Bíblia Sagrada. A forma como Demas entende o Evangelho e as verdades espirituais do cristianismo, a sua doutrina, é bem actual.

Orlando Luz

in “Refrigério” nº 16  Outubro/Novembro 1989